A investigação da legibilidade

Legibilidade é um termo que não possui apenas um significado e uma interpretação. A priori, qualquer texto que possa ser lido é legível, e o que pode tornar um texto mais ou menos legível varia de acordo com os critérios de cada pesquisador ou método de avaliação. Assim, para alguns, a legibilidade é medida em função da velocidade de leitura, enquanto em outros casos é medida pela compreensão de um determinado texto.

Além dessas complicações ainda existe um problema etmológico que é o fato de que a palavra Legibilidade, em português, é a tradução para dois termos diferentes em inglês: legibility e readability. Legibility é um termo que designa as propriedades implícitas de uma forma de letra, que determinam a capacidade de reconhecimento da mesma, enquanto readability designa as propriedades de um texto impresso e composto de determinada maneira, e até associado com outros elementos, como figuras e formas que juntos, determinam a capacidade de associação e o prazer ou agradabilidade de uma peça gráfica. Com a invenção das "readability formulas" que eram utilizadas para avaliar a adequação de um texto a detreminado nível de capacidade intelectual, Miles A. Tinker cunhou o termo "legibility of print", para evitar confusões entre os termos.

Mas para entender um pouco cada aplicação do termo, é importante entender cada método de investigação, quais são suas implicações para o significado do termo, e quais são suas aplicações válidas.

Primeiras experiências

As primeira pesquisa de legibilidade citada foi um teste conduzido Por Nisson em Paris, no finál do século XVIII. A pesquisa consistia na comparação de reconhecimento dos caracteres à distância de dois textos, um impresso em Garamond e outro em Didot, que demonstrava que o texto em gramond podia ser reconhecido a uma distância maior do que o impresso em Didot. Outras pesquisa foram feitas no começo do século XIX, por Babbage, que fez experiências relativas à cor do papel e a legibilidade de numerais em estilo antigo ou alinhados, ele utilizou como metodologia o voto da maioria. Suas conclusões foram contestadas por pesquisas posteriores. Pike foi o revisor dos primeiros estudos, e apontou Javal (1878) como o primeiro a empregar método científico à tipografia. Ele considerava que as letras góticas deviam ser abolidas, e encontrou nelas a responsabilidade pela miopia dos alemães. Além disso, demonstrou que a parte superior das letras é mais responsável pelo reconhecimento das palavras do que a parte inferior.

Outra importante descoberta feita em 1885 por Cattell foi de que o olho reconhece palavras tào rápido quanto caracteres sozinhos, o que demonstrava que a forma das letras era responsável pelo seu reconhecimento.

Métodos de investigação de legibilidade.

Tinker, em seu livro, "Legibility of print"lista os segintes métodos de investigação de legibilidade:

Velocidade de percepção

Emprega uma técnica de exposição curta, que determina a velociade e precisão com que letras ou palavras podem ser distinguidas. Este método é útil para determinar a legibilidade relativa de caracteres, a diferença entre maíusculas e minúsculas, no estudo de fatores que aumentam e diminuem a legibilidade com serifas, linas finas, negrito, espessura ótima dos traços das letras e proporções ideais, Além de tipos adequados para sinalização, principalmente em estradas.

Metodologia

Se trata de um campo de exposição contendo o material impresso, que permanece descoberto por um curtíssimo período (cerca de 1/10 de segundo ou menos). O olho não têm tempo de se mover de um ponto de fixação para outro. Em algumas experiências o tempo é diminuído para testar o limite do reconhecimento dos símbolos.

Perceptibilidade à distância.

Esta técnica é usada para determinar a distância máxima que o olho reconhece símbolos impressos. É útil para determinar a legibilidade relativa de símbolos impressos e o papel da forma das palavras para a percepção, além de determinar o tamanho correto para cada forma de letra em sinalização à distância e letreiros.

O taquioscópio é o aparelho usado nesse tipo de pesquisa e consiste de um trilho de madeira e um carro que se move de dez em dez centímetros. Em cada ponto o sujeito lê o quanto é possível. anotações da leitura são feitas a cada etapa e continua até que tudo seja lido corretamente. Uma modificação desse método é utilizada para testar grandes anúncios ou ou sinalização, mas nesse caso o material fica parado e o sujeito anda lentamente até conseguir ler corretamente.

Perceptibilidade na visão periférica.

Isto envolve a medida da distância horizontal de um ponto de fixação até o ponto que de fixação onde um símbolo impresso pode ser lido com precisão. É útil para o estudo da legibilidade relativa de letras e impressão branca vs. preta. O uso do variador focal produz resultados similares, testando até que ponto uma letra pode ser desfocada e ainda reconhecida.

Visibilidade.

Visibilidade é medida normalmente com Medidor de visibilidade de Luchkiesh Moss. É uma técnica que define a visibilidade limite do materia impresso. Contribuiu algo para a legibilidade de tipos, de negrito e de graus de contraste entre o texto e o fundo.

O medidor de visibilidade consiste em dois filtros fotográficos com gradientes circulares de densidade diferntes que são rodados simultaneamente na frente dos olhos durante a execução de uma tarefa visual. Os discos são girados lentamente até os signos serem reconhecidos. Os filtros, que variam de quase transparente até muito escuro reduzem o brilho da imagem. A visibilidade é importante para o reconhecimento de títulos, chamadas e sinalização.

Técnica da piscada reflexo

Existem questões sobre a validade desse método que se basea na idéia de que um impresso inadequado (com relações à questões ópticas) aumenta o ritmo com que o leitor pisca.

O material produzido por Luckiesh dá suporte à utilização desse método como medidor de legibilidade que consiste em contar a quantidade de piscadas que um leitor dá durante 5 minutos de leitura. Mas apesar dos resultados de Luckiest, todas outras tentativas de repetir as experiências obtiveram resultados negativos. Parece que a pesqusa de luckiest usou indivíduos que de tanto serem testados acabaram inconscientemente dando os resultados desejados. Sendo assim, este critério deve ser questionado

Fadiga na leitura.

Muitas pesquisas tentaram determinar métodos de investigar a fadiga na leitura mas falharam. A legibilidade não é afetada por fadiga, mas por facilidade, precisão e eficiência na percepção de símbolos impressos mantendo o entendimento.

Velocidade de trabalho.

Variações deste método incluem velocidade de leitura, quantidade de texto lido em certo tempo, tempo levado para encontrar um número de telefone, tempo levado para encontrar alguma raiz em tabelas matemáticas. Este método é um dos aceitos como mais válido na pesquisa de legibilidade de material impresso.

Movimentos do olho.

Em geral, a gravação dos movimentos do olho dão os mesmos resultados da medida da velocidade da leituramas tem a vantagem adicional derivada da análise da gravação dos movimentos de leitura. isto dá informação detalhada à respeito dos motivos que tornam a leitura mais vagarosa.

Durante a leitura, o olho se move em soquinhos rápidos, de um ponto de fixação pela linha de impressão. As pausas de fixação são os períodos de visão clara, onde ocorre a percepçãodo material lido. Na média, as pausas tomam cerca de 94% do tempo de leitura. Os movimentos de regressão são quando o leitor volta atrás numa linha para reexaminar material não entendido.

Várias técnicas diferentes foram utilizadas para gravar os movimentos do olho durante a leitura. O método de reflexão da córnea foi desito por Tinker. A imagem de um fino feixe de luz refletido pela córnea é fotografado. Um disco cortado interrompe o feixe de luz 50 (ou 25 ou 30) vezes por segundo, então o resultado fotografado é uma série de pontos. Cada movimento do olho produz uma mudança no feixe de luz refletido de modo que os movimentos horizontais e verticais são gravados em um filme que se move à velocidade constante.



uum exemplo de gravação de movimento dos olhos. A figura de cima mostra os movimentos de olho de uma boa leitura de duas linhas de um texto, enquanto a figura de baixo mostra um mau leitor lendo uma linha do mesmo texto. A letra B indica o começo e E o final, a letra R mostra uma regressão (Tinker, 1969)

O método de gravação eletrônica depende do potencial elétrico diferente entre a córnea e a retina. Mudanças são proporcionais ao ângulo de rotação do olho que ocorre nos movimentos.Colocando eletrodos na pele próxima aos olhos e ligando esses eletrodos a um sistema de oscilógrafo ou a um dispositivo fotográfico é possivel medir esses movimentos. Recentemente têm havido uma tendência a utilizar algum método de gravação eletrônica porque a técnica é mais flexível e pode ser utilizada sem a necessidade de fixar rigidamente a cabeça do leitor, podendo assim ser obtidas gravações de períodos mais longos de leitura.

Tinker fez a maior parte de suas experiências utilizando o método de velocidade de leitura, mas existem vários motivos para contestação do uso desse método para a tomada de decisões do designers. O primeiro deles, é que uma maior velocidade de leitura não resulta necessariamente em uma melhor compreensão do conteúdo, outro problema é que nem sempre a velocidade de leitura é realmente importante, em alguns casos, um prolongamento do tempo de leitura é até desejável.

Outros métodos

Baseado em críticas a esse método, outros pesquisadores desenvolveram outros métodos de pesquisa. Collin Weildon no começo dos anos 80 desenvolveu um programa de pesquisa que buscava medir a diferença de compreensão causada pela mudança de certos fatores tipográficos. O método utilizado era entrevistas feitas a respeito do conteúdo dos artigos, sem que os voluntários subessem por que estavam sendo questionados. Suas pesquisas obtiveram alguns resultados extremamente polêmicos, como o que demonstra que um texto escrito em um tipo sem serifa (helvetica) foi bem compreendido por apenas 12 % dos leitores enquanto um texto escrito com uma fonte serifada obtinha boa compreensão de 67% dos mesmos. Outro resultado polêmico é que o mesma compreensão foi tida com texto normal e itálico (alguns dos seus resultados estão descritos na próxima parte deste trabalho). O interessante dessa pesquisa é que eu não encontrei citação dela em nenhum texto acadêmico de design nem nos circuitos de discussão de design gráfico e tipografia tradicionais, apenas em textos e comentários de autores ligados à publicidade e design corporativo. Isto faz muito sentido, uma vez que a validade dessa pesquisa está restrita exatamente a esse tipo de aplicação: leituras que você faz se procurar.

Ler um anúncio publicitário é certamente bem diferente de ler um texto onde há um interesse prévio na compreensão do texto. e sendo assim, esse tipo de pesquisa é válido principalmente para o caso de peças publicitárias, ou avisos e manuais. Outro problema dessa pesquisa é que ela já foi feita há mais de 20 anos, ou seja, foi feita antes da maior mudança de tecnologia acontecida, que foi a popularização dos computadores pessoais, além de ser anterior à popularização da internet e da criação da world wide web. Dessa maneira, é bem possível que depois dela os hábitos de leitura das pessoas já tenha sofrido mudanças importantes, e que alguns desses resultados pode não ser válido. De qualquer forma esse é um método de investigação muito interessante e novas pesquisas poderiam ser feitas para atestar sua validade.

Outro método de pesquisa foi utilizado por Bernard, Fernandez e Hull. em uma pesquisa sobre os efeitos do comprimento de linha na performance de leitura de crianças e adultos, para textos lidos em monitor, ele consistia em uma associação do método de velocidade de leitura com uma medição de acuidade, que consistia em encontrar algumas palavras propositadamente substituídas subtituídas (por exemplo fake por cake), que prejudicavam o sentido das frases. Assim, a velocidade de leitura era ponderada pela acuidade de leitura.

Dessa maneira, qualquer que seja o método empregado para determinar a legibilidade, seus resultados devem ser empregados cuidadosamente, uma vez que nem sempre representam condições reais de ocorrência. Talvez uma das mais importantes constatações de todas essas pesquisas, foi que a opinião dos leitores e os resultados de das pesquisa em inúmeros casos difere, em alguns casos enormemente, da opinião acerca da legibilidade dos mesmos leitores que participaram dos testes. Assim, se podemos afirmar que não podemos confiar na opinião das pessoas para julgar o que elas irão ler melhor, é verdade também que aquilo que irá convencê-los melhor também não é, necessariamente o que seria lido mais rápido ou mais eficientemente, e talvez nem o que seria compreendido melhor.

Este dado traz conseqüências importantes, se pensarmos que vários livros e revistas são, na sociedade atual, antes de portadores de informação, objetos de consumo, e antes de ser lidos, precisam ser comprados.

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© Ariane Stolfi, CNPQ, 2002